sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Tropicália: por onde anda o avesso da Bossa Nova?

Tropicália: por onde anda o avesso da Bossa Nova?
A história, os herdeiros musicais e as novas gerações dão pistas essenciais


Bianca Fernandes e Camilla Godoy


    A história se revela como a primeira evidência de que tanto a Bossa Nova quanto a Tropicália são perenes ao tempo. Mesmo que tenham se distinguido quanto às ideologias propostas, ambos os movimentos marcaram os anos em que aconteceram.
    A Bossa surgiu associada ao crescimento urbano do Brasil, que de 1956 a 1961, quando o Plano de Metas de Juscelino Kubitscheck, pretendia impulsionar economicamente o país.
    Caracterizada como o principal gênero musical popular brasileiro, tomou forma em 1958, quando o LP “Canção do Amor”, gravado por Elizabeth Cardoso, lançou os nomes de João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Os jovens compositores de classe média da Zona Sul carioca, mesmo que despreocupados em causar impactos sociais, viram na integração de melodia, harmonia, ritmo, letras elaboradas e do cotidiano surgir uma revolução. Isto com apenas um violão a mão e barcos, flores e amores como temas de suas canções.
    Mesmo tendo sido um novo modo de cantar e fazer samba naquela época, dez anos depois, a fim de romper com estes tradicionalismos e com o cenário político de então, a Tropicália chega à sua própria maneira. Em meio ao caótico ano de 1968, quando o Brasil se via às voltas com a ditadura, censuras e o decreto do rígido AI-5 que mitigava ainda mais a liberdade de expressão, Gilberto Gil e Caetano Veloso formam um grupo de baianos, com outros artistas engajados e quebram barreiras. Sem delimitar seus processos criativos, aliam rock com Bossa, samba, rumba, bolero e influências norte americanas casadas ao concretismo brasileiro.
    Vemos que 50 anos após os movimentos, suas raízes musicais se dispersaram, mas há uma segunda evidência de que permanecem vivos: uma nova MPB disposta a se deixar influenciar e produzir músicas que remetam aos gêneros. Para João Lopes, consultor cultural e político, “a música mesmo a produzida pela Bossa Nova, que decantava e cantava o Amor, foi fundamental para o surgimento de outras vertentes que beberam destas fontes” e Marcello Borghí, músico e escritor, salienta que “a chamada nova MPB tem nomes importantes e que estão alimentando o mercado fonográfico com bons trabalhos”.
    Para eles, ao aliar modernismo com elementos históricos da música, Zeca Baleiro, Lenine, Adriana Calcanhotto, Zélia Duncan, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Otto, Vanessa da Mata, entre outros compositores atuais, conseguem manter vivas as propostas da Bossa e do Tropicalismo.
    E esta música brasileira pode ser um dos instrumentos para uma nova consciência das gerações futuras, que se individualizam cada dia mais. “A Internet é a ferramenta que melhor apresenta estas novidades, que bebem da fonte tanto da Bossa, como da Tropicália”, evidencia Lopes. Afinal, nela os jovens podem ter acesso à este outro viés cultural, que não é repassado aos estudantes através da literatura e tampouco nas aulas de história. Mas “quando têm oportunidades para ouvir e ler, são dominados pela beleza das letras e melodias destas obras” completa Lopes.
    Infelizmente, esta geração do século XXI, “não se opõe culturalmente e tudo o que nasce e cresce neste meio é colocado dentro de um imenso caldeirão e misturado para ser vendido”, protesta o sociólogo Cláudio Correa. Uma das alternativas à situação está na “popularização da MPB com a diminuição do preço dos discos, maior presença nas mídias impressas, obrigatoriedade de cotas de veiculação de musicas nas rádios e de artistas na Televisão” sugere João Lopes.
    Os movimentos que propunham mudar o mundo e acabaram por possibilitar a compreensão do caráter plural do Brasil e de nossa música, não teriam também hoje as mesmas letras em suas canções. “Não dá pra falar de barquinhos, flores e mar hoje,pelo menos não como naquele tempo.Mesmo porque os barquinhos tem afundado num mar de óleo e peixes mortos, o mar está subindo, os rios secando e as flores desbotando” evidencia Moína Lima, produtora cultural. Ela ainda enfatiza: “ a gente quase perdeu o rumo, mas vamos nos reerguendo. Como tudo é um ciclo, quem sabe a gente não retorna alguma coisa? A letra hoje é a da sustentabilidade, globalização, caos urbano, aquecimento e derretimento dos pólos. Mas também falaria de esperança e luta!”.
    A tropicália, “filha rebelde e sobrinha baiana desvairada com engajamento político na esquerda festiva da Bossa” como propõe Correa, deixou rastros culturais inegáveis e para Lopes, juntos ainda, os movimentos “foram importantes para construir o pensamento de camada média, com acesso à informação no país”.         Assim, cabe à história sempre relatar as ideologias e conquistas, aos herdeiros musicais cantarem sob perspectivas do século atual e especializados nos movimentos, a manter vivas suas canções. E, sobretudo a entoar, infinitamente, como marcos dos gêneros musicais que são, a Bossa e a Tropicália, sempre que questionarem por onde é que eles andam meio século após nascerem.